domingo, 19 de março de 2017

LEITURA DOS CLÁSSICOS POR CONTEMPORÂNEOS

    





        Nada mais plausível para o mundo contemporâneo que o retorno a leitura dos contos de fadas. Neles encontramos muitos símbolos de poder e que contribuíram como elementos históricos da representação e compreensão da realidade da sociedade que os criou. Conseguimos entender como tantos elementos das culturas medievais e modernas europeias permearam o imaginário da população e as histórias populares que circularam a priori de boca-em-boca até o registro escrito e suas publicações para fortalecimento de uma cultura letrada. 
   Não é de se estranhar que Bruxas, assassinos, madrastas perversas, pais negligentes, filhos abandonados, horrores sociais no espaço público e privado eram tão comuns nesses contos dos séculos XVIII e XIX, nada mais que o reflexo de uma perversa realidade. Em se tratando da sociedade que os produziu, os resultados até foram atenuados em relação ao cotidiano daquele tempo na vida europeia. Lugares precários que não reconheciam na criança sua singularidade, negligenciavam suas peculiaridades, explorando-as em trabalhos insalubres, educando pelo medo ou sujeição a moralidade do adulto, pela violência explícita. Adultos incapazes de perceberem as construções imaginativas e possibilidades de transgressões da infância, fato que deforma a real capacidade delas e provoca danos tão graves quanto o infanticídio comum àquele período. 
    Ler contos de fadas pode ser uma ótima oportunidade de pensar sobre a realidade de muitas crianças na contemporaneidade;trabalho em troca de migalhas, esforço para a incerteza de um futuro obscuro, modelos equivocados de adultos e insegurança nos seus lares. O que elas podem esperar do futuro?
      Pensar nessas questões é abrir espaço para refletirmos sobre a literatura como um campo do conhecimento desejável na sua importância e estudado na sua complexidade, assim como pensar no que nós oferecemos as nossas crianças nas suas leituras. Será que as desafiamos a pensarem sobre o lugar delas no mundo e o instigante exercício de viver seus dilemas atuais? Os livros que propomos dialogam com o exercício coerente da cidadania? Será que essas escolhas apontam para a reflexão sobre os estereótipos misóginos, étnicos, de gêneros e xenofóbicos atuais? E as imagens, são instigantes para a construção imaginativa sem os padrões pré-estabelecidos pelas grandes indústrias do cinema e de produção massificadas? Certo que isso não é função e nem prioridade da literatura para crianças, mas sabemos também que os livros narrativos podem estimular as reflexões sobre as questões apresentadas. 
    Relendo os contos de fadas de Perrault, irmãos Grimm´s e Andersen, percebe-se uma forte influência das construções culturais do seu tempo, e como cada autor carrega as demandas da sua época, inclusive em relação aos apelos do público em transformação e das exigências do mercado editoral. Nada é tão inocente e muito menos sacralizado, merecendo atenção dos adultos e crianças na estruturação dessas histórias e na historicidade desses contos. A importância de compreender a origem dessas criações e sua composição como objeto cultural de um determinado tempo histórico é fundamental para que esses autores e suas produções sejam ainda mais reconhecidas como fundamentais nas leituras e desconstruções dessas histórias por nossos leitores em formação.  
      Para aqueles que pretendem conhecer um pouco mais sobre literatura para crianças e ajudá-las no seu processo de formação literária, vale algumas dicas:

·   A literatura para crianças é uma literatura tão importante e complexa quanto a literatura para adultos;
  • A criança lê com um olhar diferente do adulto, portanto promova essa experiência sem direcionar exageradamente o olhar dela e sem acreditar apenas na sua maneira de compreender os livros. 
  • Os livros para crianças merecem temas relevantes, mas não escolham esses livros apenas por isso, pensem na importância da linguagem, no desafio da leitura, no jogo das ideias, na relação entre ilustração e texto verbal. 
  • Vale a pena garantir o diálogo após a leitura dos livros infantis e escutar o que as crianças têm a dizer. 


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