quarta-feira, 31 de julho de 2013

ISTAMBUL por ORHAN PAMUK

 
 
Desde de minha infância, e durante muitos anos, sempre tive num
cantinho da cabeça a ideia de que existia, algures nas ruas de
Istambul, outro Orhan que era igual a mim, meu gêmeo, ou mesmo meu duplo. Não consigo recordar-me donde me veio nem como nasceu esta impressão. Teria acabado por me surgir, certamente, na sequência de um longo período entretecido de mal-entendidos, de coincidências, de jogos e de angústias. Deixem-me contar-lhes um dos primeiros momentos em que vivi mais concretamente, e assim explicar o que senti quando se manifestou em mim.
 
[...]Chegamos agora ao cerne da questão: desde o meu nascimento que nunca abandonei as casas, as ruas e os bairros das minhas origens. Se que há uma ligação entre o fato de habitar ainda e sempre, cinquenta anos depois(mesmo que tenha morado ocasionalmente noutros locais de Istambul), na Residência Pamuk, a partir da qual a minha mãe me deu a conhecer o mundo pela primeira vez, comigo ao colo, e na qual foram tiradas as minhas primeiras fotografias, e a consolação que consiste em acreditar na ideia de que existe outro Orhan noutro ponto de Istambul. É por isso que sinto que a minha história tem algo de especial para a cidade e para mim próprio: numa época marcada pela abundância das migrações e pela criatividade dos migrantes continuei no mesmo lugar e na mesma casa durante meio  século. A minha mãe dizia-me sempre num tom de tristeza: "Sai, vai a outro lado, faz uma viagem".
 
[...]Quem quer dar um sentido à sua existência interroga-se também, pelo menos uma vez na vida, sobre a situação e a época em que nasceu. O que significa nascer em certo lugar do mundo e em determinado momento da História? A família, o país, a cidade que nos são atribuídos como um bilhete de loteria, que nos pedem que amemos e que acabamos por amar na maior parte das vezes, serão fruto de uma partilha equitativa? Por vezes, ao ver as ruínas e as cinzas do Império Otomano, sinto que tive azar em nascer em Istambul, em nascer nesta cidade a envelhecer num ambiente de derrota, de miséria e de tristeza. (Porém, uma voz dentro de mim diz-me que não, que isso, na realidade, é uma sorte). No que toca a riqueza, acontece-me pensar às vezes que tive sorte em nascer numa família abastada de Istambul. [...] Na maior parte do tempo, contudo, penso que Istambul, o lugar onde nasci e onde passei toda minha vida, faz parte do meu destino - tanto como o meu corpo (Se ao menos pudesse ter os ossos um pouco mais largos e fosse um pouco mais bonito...)e o meu sexo, coisas de que acabei por me convencer que não devia queixar-me - e que, fazendo parte do meu destino, não pode ser posto em questão. Este livro é sobre esse destino...

 

terça-feira, 30 de julho de 2013

BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS por BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS



Meu trabalho, enquanto professor passou a ser dar asas às fantasias das crianças. Não desprezar a intuição como meio de ler a poesia que circula no mundo veio a ser minha metodologia. Por ser assim, a arte, como sua total falta de preconceitos, guiava nosso convívio. E nós éramos felizes. Eu sabia que o tempo, capaz de trocar a roupa do mundo, se encarregaria de torná-las educadamente frágeis. E para conviver com a fragilidade é indispensável não perder, irremediavelmente, a infância. Jamais a explicação racional esgotará o destino – em movimento – do mundo. Ele sempre será maior que a nossa precária inteligência.
Mas, ao nos apropriar da fragilidade, crescemos em curiosidade e nos desvencilhamos das pretensiosas verdades definitivas. Tornamo-nos ouvintes atenciosos do universo e adjetivamos seus sinais. Todo adjetivo surge de uma escolha interior. Reconhecer que todo conhecimento nos garante a fragilidade me parece o caminho seguro para estreitar relações mais dignas entre os povos. Bergson, ao escrever sobre a definitiva solidão de cada um, nos aconselha a tornar criadora tal solidão, buscando os encontros, as coesões. Tomar posse da fragilidade nos permite as trocas e faz da existência um processo de somas e divisões, com juros sempre lucrativos.

Aprendi em sala de aula que a criança é a mais intensa das metáforas. Não se pode compreendê-la como objeto a serviço do mundo. A tarefa do magistério é paciente e deve esperar que a mais rica das metáforas aflore continuamente. E para tanto a liberdade, somente a liberdade, confirmará que não existe um conceito de criança. E para tanto a liberdade, somente a liberdade, confirmará que não existe em um conceito de criança. Cada criança é um conceito. Cada criança é mais um intenso mistério que nos visita e nos surpreende pela singularidade. Também o homem não tem plural. Assim sendo, o mundo se enriquece, mais e mais, pela soma das diferenças. Preservar a infância é o que de melhor podemos fazer por ela. Ao ter a possibilidade de viver em felicidade a infância, a vida se torna breve. Se sobrecarregada de faltas, desrespeito, violência, a vida se torna demasiadamente longa. A alegria vivida, ou a alegria sonhada, é que nos faz desejar um mais longo futuro. Não se ama a vida quando ela só nos agasalha com sofrimento.

Um dia descobri que se eu traçasse o futuro para nortear as crianças, se roubasse delas a capacidade de inventar seus destinos, se priorizasse a lógica formal em detrimento do sonho, eu não seria professor, mas apenas um cigano tirador de sorte, um sujeito investido de deus, capaz de conhecer o futuro dos homens e do mundo. Desrespeitaria os mistérios que fazem da existência um espaço de sustos e revelações e mais me empobreceria ao negar a existência da fragilidade.

 Educar-se me pareceu ser tomar posse dos limites.

Bartolomeu Campos de Queirós – Escritor de livros para infância e juventude

segunda-feira, 29 de julho de 2013

METAPHASE por CHIP REECE

Pai cria quadrinho protagonizado por herói com síndrome de Down

"Metaphase" ficou no ranking de histórias gratuitas mais lidas de um aplicativo norte-americano entre maio e junho deste ano. Versão impressa deve sair em janeiro de 2014


Ollie na versão super-herói dos quadrinhos (Foto: Reprodução/Facebook)
Quando o assunto é super-herói, quais são os personagens que vêm a sua cabeça? Provavelmente nomes como Batman, Super-Homem, Homem-Aranha e Flash, certo? Para mudar esse cenário já conhecido pelo grande público, o norte-americano Chip Reece resolveu criar uma história com um protagonista inesperado: seu filho Ollie, de 3 anos, portador de síndrome de Down. E o que era para ser apenas uma homenagem tomou proporções muito maiores. Metaphase, como foi chamada, entrou para o ranking de quadrinhos gratuitos mais lidos do aplicativo Comixology entre maio e junho deste ano e tem previsão para ser lançada também em versão impressa.
“Originalmente, criar essa história tinha apenas uma intenção pessoal nascida das minhas experiências com meu filho. Eu acharia incrível se fosse além disso, mas entendia que era um universo novo para mim. Só depois de um tempo, quando conversei com o Peter Simeti, dono da Alterna Comics (editora independente de HQs), percebi que elas realmente tinham potencial para uma audiência maior”, disse o autor em entrevista a CRESCER.
O paralelo do menino com a figura do herói não foi difícil de ser construído. Além de ter que aprender a lidar com a síndrome de Down, Ollie teve que passar por três cirurgias delicadas em seus primeiros anos de vida graças a diferentes problemas congênitos no coração. “As chances sempre estiveram contra meu filho, mas ele nunca deixou de vencer. A principal intenção das histórias que escrevo é mostrar que pessoas com Down, como ele, podem nos inspirar, podem ser nossos heróis”, afirmou.
Confira a entrevista na íntegra:
 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O POETA APRENDIZ por VINÍCIUS DE MORAES



Ele era um menino
Valente e caprino
Um pequeno infante
Sadio e grimpante
Anos tinha dez
E asas nos pés
Com chumbo e bodoque
Era plic e ploc
O olhar verde gaio
Parecia um raio
Para tangerina
Pião ou menina
Seu corpo moreno
Vivia correndo
Pulava no escuro
Não importa que muro
Saltava de anjo
Melhor que marmanjo
E dava o mergulho
Sem fazer barulho

Em bola de meia
Jogando de meia-direita ou de ponta
Passava da conta
De tanto driblar

Amava era amar
Amava Leonor
Menina de cor
Amava as criadas
Varrendo as escadas
Amava as gurias
Da rua, vadias
Amava suas primas
Com beijos e rimas
Amava suas tias
De peles macias
Amava as artistas
Das cine-revistas
Amava a mulher
A mais não poder
Por isso fazia
Seu grão de poesia
E achava bonita
A palavra escrita
Por isso sofria
De melancolia
Sonhando o poeta
Que quem sabe um dia
Poderia ser



domingo, 7 de julho de 2013

HISTÓRIAS por FÁBIO MONTEIRO


Empilhar os livros lidos e ver as idéias crescerem.
Um pouco de tudo. 
O horizonte visto da janela, 
as personagem que rodopiam na mente, 
As histórias que insistem pedindo para nascer.
Afinado!