sábado, 25 de maio de 2013

SOBRE O TEATRO COTIDIANO por BERTOLD BRECHT

ESPETÁCULO COLETÂNEA - DE 1 A 30 DE JUNHO ÀS 19HS.


Vocês, artistas que fazem teatro em grandes casas,
sob sóis artificiais, diante da multidão calada,
procurem alguma vez aquele teatro encenado na rua.

Cotidiano, vário e anônimo.
Mas tão vívido. Terreno.
Nutrido da convivência dos homens.
O teatro que se passa nas ruas.

Aqui a vizinha ao imitar o proprietário,
deixa claro, demonstrando sua verbosidade,
como ele busca desviar a conversa sobre
o cano d’água que arrebentou.

À noite, nos parques, rapazes mostram à garotas risonhas,
como elas resistem e resistindo mostram habilmente os seios.
E aquele bêbedo, mostra o pastor em sua pródiga, remetendo
os despossuídos aos ricos pastos do paraíso.

Como é útil esse teatro, como é sério e divertido.
E digno!

Não como papagaios e macacos imitam eles,
apenas pela imitação em si, indiferentes ao que imitam,
apenas para mostrar que sabem imitar bem;
não, eles têm objetivos à frente.

Que vocês, grandes artistas imitadores magistrais,
não fiquem nisso abaixo deles. Não se distanciem, por mais
que aperfeiçoem sua arte, daquele teatro cotidiano
cujo cenário é a rua.

Vejam aquele homem na esquina!
Ele mostra como ocorreu o acidente.
Neste momento entrega o motorista, ao julgamento da multidão,
como estava ele ao volante. E agora imita o atropelado, aparentemente
um velho homem. De ambos transmite apenas o tanto para tornar
o acidente inteligível, porém o bastante para que apareçam claramente.
Mas ele não mostra ambos como incapazes de evitar um acidente.
O acidente torna-se assim inteligível e também ininteligível,
pois ambos podiam fazer outros movimentos; agora ele mostra
como eles poderiam ter-se movimentado, para que
o acidente não acontecesse.

Não há superstição nessa testemunha, ele não vê os mortais
como vítimas dos astros, somente dos próprios erros.
Notem também sua seriedade e o cuidado da sua imitação.
Ele sabe que da sua exatidão muito depende.
Se o inocente escapa à ruína. Se o prejudicado é compensado.
Vejam-no a repetir o que já fez. Hesitante.
Pedindo ajuda à memória, incerto de que a imitação seja boa.
Interrompendo. Solicitando a um outro que corrija isso ou aquilo.
Isto observem com reverência! E com assombro!

Queiram observar que este imitador nunca se perde
em sua imitação. Ele nunca se transforma inteiramente
no homem que imita. Sempre permanece o que mostra,
o não envolvido, ele mesmo. Aquele não o instrui.
Ele não partilha seus sentimentos, nem suas concepções.
Dele sabe bem pouco.

Em sua imitação não surge um terceiro,
dele e do outro, de ambos formado, no qual
um coração batesse e um cérebro pensasse.
Ali inteiro está o que mostra, mostrando
o estranho nosso próximo.

A misteriosa transformação que supostamente
se dá em seus teatros entre camarim e palco:
um ator deixa o camarim, um rei pisa no palco,
aquela mágica da qual com freqüência vi a gente
dos palcos rir, copos de cerveja na mão,
não ocorre aqui. Nosso demonstrador da esquina
não é um sonâmbulo a quem não se pode tocar.
Não é um Alto Sacerdote no ofício divino.
A qualquer instante podem interrompê-lo!
Ele lhes responderá com toda a calma e
prosseguirá quando já lhes tiver falado
sua apresentação.

Mas não digam vocês:
O homem não é um artista!
Erguendo uma tal divisória entre vocês e o mundo,
apenas se lançam fora do mundo.
Negassem ser ele um artista,
poderia ele negar que fossem homens.
E isto seria uma censura maior.

Digam antes:
Ele é um artista, porque é um homem.
Podemos fazer mais perfeitamente
o que ele faz, e ser por isso festejados,
mas o que fazemos é algo universal,
humano, a cada hora praticado no burburinho das ruas.
Para o homem tão bom quanto respirar e comer.

Assim o seu teatro nos leva de volta às questões práticas.
Nossas máscaras, digam nada são de especial,
enquanto forem somente máscaras.

Ali o vendedor de xales põe o chapéu redondo de sedutor,
segura uma bengala, até um bigode cola sob o nariz,
e atrás do seu balcão dá uns passos alegre
indicando a vantajosa mudança que
através de xales, bigodes e chapéus
logram os homens.

E nossos versos, digam:
Vocês também possuem!
Os vendedores de jornais gritam as manchetes
em cadências e assim intensificam o efeito
e tornam mais fácil a repetição constante!
Nós falamos textos alheios, mas os namorados,
os vendedores, também aprendem textos alheios,
e com que frequência.

Todos vocês citam ditados!
Assim máscara, verso e citação tornam-se comuns.
Mais incomuns a máscara vista com grandeza,
o verso falado bonito e a citação apropriada.

Mas para que nos entendamos:
Mesmo se aperfeiçoassem o que faz o homem da esquina,
vocês fariam menos do que ele, se o seu teatro fizessem
menos rico de sentido, de menor ressonância na vida do
espectador, porque pobre de motivos e menos útil.

 

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