sábado, 24 de agosto de 2019

Formação Leitora por Fábio Monteiro






Não lembro ao certo se minhas primeiras leituras literárias eram sobre águas, meninos e peixes criados em bolsos, mas tenho certeza de que causaram tamanho estranhamento no meu início como leitor. Tomava susto com as palavras e seus significados, sofria com a falta que fazia não saber de tudo e das diversas tentativas de burlar as regras perguntando aos adultos os seus significados, também tinha dificuldade de associar letra a letra na consulta ao dicionário. Minha mãe sempre dizia que conhecimento é conquista e o significado das palavras é sempre maior que seu significado. Nunca dizia o que já sabia, mas quando tínhamos a resposta do dicionário ela rapidamente afirmava:

– Eu já sabia! – e eu acreditava que, na sua grandeza de mãe, tinha todo conhecimento do mundo.

Meu Pai tinha mania de invenções poéticas, criava significados complexos para os sentidos mais simples. Era artista de desenho e lia cada palavra como se fossem imagens.





Ler era um desafio diário para mim, uma conquista a cada sentido compreendido e compartilhado com o outro, saída para uma realidade dura que vivia na periferia do Recife, possibilidade em ter noites sonhadas e concretização de projetos futuros.

A leitura da vida apontava para a importância do enamoramento com os livros e foi na biblioteca da escola que encontrei um lugar de habitar. Lá, os livros eram de graça e podia levar vários deles para casa. Depois dele meu quintal ficou ainda mais divertido, porque as histórias lidas vitalizavam brincadeiras todos os dias. Tantas foram as vezes que as personagens saltaram de um pé de jambo para o outro, que fantasmas adentraram o esconde-esconde e que piratas saltaram de montinhos de areia para banhos de mangueiras que afogavam o calor na água gelada. Meu quintal se tornou extensão da imaginação iniciada nos livros, brincadeiras sem tempo para acabar.

A leitura era brinquedo sem regra, era jogo que tomava o dia inteiro, e aos poucos, assumiu uma importância grande para sonhar com dias melhores. Um jeito de pensar futuro e acreditar que ela transformaria minha vida em conquistas profissionais e possibilidades em ver o mundo com sensibilidade e contemplação, um jeito só meu de transformar pedras em água na peneira.
Hoje a leitura me acompanha em tudo que faço; ela é profissão e diversão; amizade e estranhamento; conquista e obrigação. Nem sempre é confortável e desejada, mas sempre é necessária e proveitosa, nem sempre prazerosa, mas geradora de prazeres a cada descoberta e janelas abertas para horizontes. Com as leituras de livros, aprendo a arrancar espinhos, a olhar carneiros em caixas imaginárias e a nunca me sentir sozinho.

Fábio Monteiro é Professor de História do Colégio Parthenon e Escritor de Livros para Infância e Juventude. Leitor de muitas histórias de livros e lembranças.

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