Minha cidade não tinha luz. A luz cheia, de vez em quando, clareava com o luar o arrraial. Cada família buscava uma maneira de quebrar o escuro, conforme suas posses: lampião, luz de carbureto, lamparina, vela, candeia. Se não possuía luz, a água também era pescada nas fundas cisternas e transbordava nos filtros, nos potes, nas bacias. E minha mãe sempre achava que a água fazia mais falta do que a luz.
Se eu roubei, se eu roubei seu coração
É porque, é porque te quero bem
Se eu roubei, se eu roubei teu coração
tu roubaste, tu roubaste o meu também.
Um dia, com bem mais de três anos, meu pai me disse:
- É hora de ir para a escola para você aprender três coisas: ler, escrever e contar.
- Pai - eu disse -, já sei escrever nos muros da igreja, sei soletrar no livro da missa e contar os dias da semana sem falar a palavra feira: anteontem, ontem, hoje, amanhã, depois de amanhã, sábado e domingo.
- Não é tudo - ele respondeu. - É preciso escrever em linha reta e com pena, para não apagar; ler coisas de outros mundos e contar o tempo da vida.
Fragmento: Sem palmeiras ou sabiá - Editora Peirópolis
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