Isto porque a gente foi criada em
lugar onde não tinha brinquedo fabricado. Isto porque a gente havia que
fabricar os nossos brinquedos: eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis
de lata. Também a gente fazia de conta que sapo é boi de cela e viajava de
sapo. Outra era ouvir nas conchas das origens do mundo. Estranhei muito quando,
mais tarde, precisei de mora na cidade. Na cidade, um dia, contei para minha
mãe que vira na Praça um homem montado no cavalo de pedra a mostrar uma faca
comprida para o alto. Minha mãe corrigiu que não era uma faca, era uma espada.
E que o homem era um herói da nossa história. Claro que eu não tinha educação
de cidade para saber que herói homem sentado em cavalo de pedra. Eles eram
pessoas antigas da história que algum dia defenderam a nossa Pátria. Para mim aqueles
homens em cima da pedra eram sucata. Seriam sucata da história. Porque eu
achava que uma vez no vento esses homens seriam como trastes, como qualquer
pedaço de camisa nos ventos. Eu me lembrava dos espantalhos vestidos com as
minhas camisas. O mundo era um pedaço complicado para o menino que viera da
roça. Não vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi tudo
o que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só que não vira
sucata é ave, árvore, rã. Até nave espacial vira sucata. Agora eu penso uma
garça branca de brejo ser mais linda que uma nave espacial. Peço desculpas por
cometer essa verdade.
Poema SOBRE SUCATAS. Livro Memórias
inventadas por Manoel de Barros.
3 comentários:
Estudei sobre esse texto hj na minha escola, muito interessante, amei estudar sobre isso. Respondi as questões todas certas, amei ler já é a terceira vez que estou lendo. Esse texto me interessou tanto, que estou endo pela terceira vez❤️😍😁
Tô estudando esse texto agora mesmo kkkk muito bom
Poiser
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