domingo, 8 de julho de 2018

Cartas a refugiados: A corrente do bem saiu de Viamão e cruzará fronteiras, até chegar a Zaatari, na Jordânia, totalizando cerca de 11.400 quilômetros, 16 horas aéreas de viagem

05/07/2018
Cartas a refugiados: A corrente do bem saiu de Viamão e cruzará fronteiras, até chegar a Zaatari, na Jordânia, totalizando cerca de 11.400 quilômetros, 16 horas aéreas de viagem

Qual o sentido da vida, senão fazer sentido na vida das pessoas? Ensinar desde cedo as crianças a se importarem com o próximo e com as interações sociais. Ver além da sua comunidade e propor algo que possa fazer o bem a alguém, com o que se tem. É assim que inicia esta grande corrente do bem, que saiu nesta quarta-feira, dia 4 de julho, da comunidade Jardim Outeiral, de Viamão, com destino a Zaatari, na Jordânia. São mais de 16 horas aéreas de viagem, totalizando cerca de 11.400 quilômetros. A corrente do bem será fortalecida em muitos pontos, até chegar ao destino final, prevista para o mês de setembro.
Qual a conexão entre Viamão e Jordânia? Calma, eu explico... Tudo começou com o projeto “Escritor na Escola”, da Secretaria Municipal de Educação. A professora Rosana Kasper, da Sala de Recursos da EMEF Jardim Outeiral, localizada no limite entre Viamão e Porto Alegre, leu a obra de Fábio Monteiro – Cartas a Povos Distantes – e entrou em contato com o autor para conversar com ele sobre o assunto. “E entre conversas, pensamos sobre como poderíamos deixar a proposta mais significativa, que pudesse tocar e transformar a vida dos nossos alunos. Então, surgiu a ideia de escrever cartas para crianças refugiadas. Após esse contato, procurei na internet ONG's que trabalhassem com essa temática e encontrei a ASAV – Associação Antônio Vieira, polo da ACNUR (Ong Internacional), localizada em Porto Alegre. A ideia se concretizou a partir de um documentário exibido no dia 20 de junho, onde mostrava o campo de refugiados Zaatari, na Jordânia”, explica Rosana.
O projeto começou a ser desenvolvido pela professora Greicy Nunes, com as duas turmas de 6º anos e se estendeu para as duas turmas de 9º anos. Foi exibido um vídeo mostrando a realidade das famílias e das crianças que viviam em um campo de refugiados. Eles tiveram de sair de seu país por o mesmo estar em guerra e, em muitos casos, as crianças já amargavam perdas familiares. Os estudantes se sensibilizaram e escreveram cartas às crianças sírias. Nos textos, individuais ou em grupo, os alunos contaram um pouco da realidade do Brasil, do Rio Grande do Sul e de Viamão e se colocaram na realidade dos refugiados, passando mensagens positivas. “Nossos estudantes ficaram muito empolgados e criaram cartas lindas e emocionantes, evidenciando que um simples ato de ler um livro pode transformar as vidas das pessoas”, destaca Rosana.
As cartas foram entregues à Associação Antônio Vieira (Asav), mantenedora de obras Jesuítas em Educação e Ação Social, na tarde do dia 4 de julho. Cinco alunos representaram os demais para levar as 18 cartas escritas pelos estudantes: Daiely Alves Albad, 15 anos (9º ano); Sara Itanajara Costa Louzada, 11 anos (6º ano); Isabele Machado Alves, 11 anos (6º ano); Guilherme de Andrade Pereira, 12 anos (6º ano); e Eduardo Chimendes, 12 anos (6º ano). Ao chegar na Asav, o escritor Fábio Monteiro os estava aguardando para saber mais sobre as cartas.
Papo com o autor
Monteiro quis saber quais os sentimentos surgiram na hora de escrever as cartas. Isabele disse que sentiu muita tristeza. “Pensei neles e me veio um monte de sentimentos, como sobreviver, perder família, amigos e ir para outro país.” O escritor disse que o mais fantástico é que o livro é escrito dentro de uma sala fechada e não se tem a ideia da repercussão que isso pode ser gerada na mão de um leitor. “O livro literário é uma obra de arte muito importante, construída de maneira incompleta. Quando chega na mão do leitor passa a gerar dimensões no seu imaginário, coisas que não podem ser medidas ou pensadas. O que me deixa mais feliz é de pensar que estas crianças conseguiram construir uma ponte com a realidade. Conseguiram imaginar uma história diferente, uma realidade diferente e até novas possibilidades de transformação. Me comovo muito com a realidade dos refugiados porque ter uma infância roubada é algo muito triste. Conversando sobre isso, alertamos ao mundo que as coisas podem e precisam ser diferentes”, externiza Monteiro.
O escritor conta que tem saudades da infância, porque escrevia cartas a amigos imaginários. Disse que se tornou escritor pelo simples fato de fazer novos amigos. “O livro proporciona encontros e viagens. Encontrar pessoas a partir de idéias comuns. Viajar na imaginação, quando se lê. O livro nunca está completo. Ele precisa do leitor para dar voz às personagens. Se o livro está na prateleira, ele não faz sentido. As histórias são libertadas pelos leitores e podem voar pra muito longe, como essas cartas vão voar e encontrar outras pessoas”, conclui.
As cartas foram depositadas em um baú e serão encaminhadas à ONG de São Paulo – África do Coração – para serem traduzidas para a língua árabe e levadas pela equipe de produção do documentário sobre o campo de refugiados, que irá a Zaatari, na Jordânia, no mês de setembro. A ideia é que as crianças sírias respondam às cartas, fazendo sentido ao projeto de leitura – Cartas a Povos Distantes. No momento da entrega na ASAV, parceira do ACNUR no atendimento a refugiados, o grupo conheceu um pouco mais sobre o trabalho desenvolvido pelo Programa Brasileiro de Reassentamento Solidário de Refugiados, vinculado ao Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados.
A Corrente do Bem
Mas ontem foi um dia especial. Quando se inicia uma corrente do bem, o bem, de alguma forma retorna ao seu ponto de partida. A coordenadora do Programa Brasileiro de Reassentamento Solidário de Refugiados da ASAV, Karin Wapechowski, elogiou o trabalho dos professores e incentivou o prosseguimento de iniciativas como a da escola de Viamão. “Essa sensibilização sobre o assunto ainda na escola é fundamental para a formação da cidadania. Queremos que isso não seja apenas um projeto pontual, mas um programa que tenha continuidade, com ações voltadas à Educação em Direitos Humanos, fazendo parte do currículo escolar”, frisou Karin.
A gestora administrativa da Asav, Raquel Freitas, sabendo que a EMEF Jardim Outeiral está promovendo a III Feira do Livro Mundo Mágico da Leitura, na próxima sexta-feira e sábado (6 e 7 de julho), fez uma campanha junto às parceiras voluntárias da Associação de Pais e Mestres do Colégio Anchieta e arrecadou livros para doar à escola. Este foi mais um presente que a professora Rosana Kasper recebeu no dia de seu aniversário (4 de julho). O outro foi que toda esta história vai parar no Jornal do Almoço, na RBS TV, numa reportagem de Josmar Leite, a ser exibida dias 6 ou 7.
O diretor da EMEF Jardim Outeiral, que integra as Escolas Inovadoras Aurora, Márcio Cândido, acompanhou as professoras e os estudantes na missão. “Estamos no processo de inovação há três anos e a cada etapa que passamos, temos a certeza de que inovar é fazer a diferença na vida das pessoas. Nossa inovação é pela música, com mensagens de amor e paz a outras comunidades. Esta experiência nos deixou muito emocionados por nossos alunos, em meio a tantos problemas, se solidarizarem com outros povos e iniciarem esta corrente de amor, paz e solidariedade a outro mundo tão distante. Agradeço a todos que estão fazendo parte desta corrente do bem”, finaliza.