Era lembrança de frio. Um frio cinzento no trópico de capricórnio.
Era ausência de chuva, de tempo, de alento. Mas imaginava para além do concreto um frio ainda mais gelado num grau extremo de nada ventar. Era frio de ausência, num lugar cheio de prédios, numa vida silenciada por inúmeros retrocessos, num chão batido e seco, levando tudo e todos para o mesmo lugar.
Metrô, ônibus, trânsito, trabalho, retorno, cansaço, tempo passado, tempo tomado, tempo revolto. Criança chorando, velho dormindo, televisão ligada, microondas quebrado. Sofá rasgado, cachorro latindo, tarefa de casa das crianças para cuidar. Marido bêbado, novela sem nexo, vida sem rumo, bolo queimado, mãos travadas, joelho cansado, pés descalços.
Pés descalços, ao menos isso, pés descalços.
Era noite, o dia já acabara como havia começado; cansado, exausto, um nada para viver no sofá, na cama, no sono.
Era, nada mais que era, um frio de capricórnio inexistente, uma vontade de olhar infinitos, vislumbrar oceanos, ver sol descer sobre prados e campos no meio de um nevoeiro.
Mas só tinha prédios a frente do infinito que olhos não podem alcançar. Só tinha desesperança num tempo sem tempo nessa vida de nascer, trabalhar e morrer. Na mente que não cessa no presente e busca futuro como se não esgotasse o tempo, como se não houvesse nada além dos ganhos, como se na materialidade do dia a dia não coubesse o afeto, as coisas mais simples num lugar de descanso.
Hoje eu acordei no trópico de capricórnio e com uma vontade de frio para desaquecer meus ritmos, minha inquietações e meu desejo de olhar o sol descendo para aconchegasse num lugar simples.
E que venha frio para desaquecer os trópicos.
Fábio Monteiro - 20/05/2018
Num dia de frio.
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