terça-feira, 30 de julho de 2013

BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS por BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS



Meu trabalho, enquanto professor passou a ser dar asas às fantasias das crianças. Não desprezar a intuição como meio de ler a poesia que circula no mundo veio a ser minha metodologia. Por ser assim, a arte, como sua total falta de preconceitos, guiava nosso convívio. E nós éramos felizes. Eu sabia que o tempo, capaz de trocar a roupa do mundo, se encarregaria de torná-las educadamente frágeis. E para conviver com a fragilidade é indispensável não perder, irremediavelmente, a infância. Jamais a explicação racional esgotará o destino – em movimento – do mundo. Ele sempre será maior que a nossa precária inteligência.
Mas, ao nos apropriar da fragilidade, crescemos em curiosidade e nos desvencilhamos das pretensiosas verdades definitivas. Tornamo-nos ouvintes atenciosos do universo e adjetivamos seus sinais. Todo adjetivo surge de uma escolha interior. Reconhecer que todo conhecimento nos garante a fragilidade me parece o caminho seguro para estreitar relações mais dignas entre os povos. Bergson, ao escrever sobre a definitiva solidão de cada um, nos aconselha a tornar criadora tal solidão, buscando os encontros, as coesões. Tomar posse da fragilidade nos permite as trocas e faz da existência um processo de somas e divisões, com juros sempre lucrativos.

Aprendi em sala de aula que a criança é a mais intensa das metáforas. Não se pode compreendê-la como objeto a serviço do mundo. A tarefa do magistério é paciente e deve esperar que a mais rica das metáforas aflore continuamente. E para tanto a liberdade, somente a liberdade, confirmará que não existe um conceito de criança. E para tanto a liberdade, somente a liberdade, confirmará que não existe em um conceito de criança. Cada criança é um conceito. Cada criança é mais um intenso mistério que nos visita e nos surpreende pela singularidade. Também o homem não tem plural. Assim sendo, o mundo se enriquece, mais e mais, pela soma das diferenças. Preservar a infância é o que de melhor podemos fazer por ela. Ao ter a possibilidade de viver em felicidade a infância, a vida se torna breve. Se sobrecarregada de faltas, desrespeito, violência, a vida se torna demasiadamente longa. A alegria vivida, ou a alegria sonhada, é que nos faz desejar um mais longo futuro. Não se ama a vida quando ela só nos agasalha com sofrimento.

Um dia descobri que se eu traçasse o futuro para nortear as crianças, se roubasse delas a capacidade de inventar seus destinos, se priorizasse a lógica formal em detrimento do sonho, eu não seria professor, mas apenas um cigano tirador de sorte, um sujeito investido de deus, capaz de conhecer o futuro dos homens e do mundo. Desrespeitaria os mistérios que fazem da existência um espaço de sustos e revelações e mais me empobreceria ao negar a existência da fragilidade.

 Educar-se me pareceu ser tomar posse dos limites.

Bartolomeu Campos de Queirós – Escritor de livros para infância e juventude

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